Drawing by Catarina Pignato

Sex-positive parties: two comissioned stories

Folha hired me to write about sex-positive virtual and in-person events

When

June 2023

Where

Folha de S.Paulo

Who

Me 😬

What

Writing

Why

After attending a ±600 naked people Zoom call, Folha comissioned a story about my experience. Three years later, I would write about kinky and sex-positive parties in Germany.

The first piece was comissioned in 2020, after I attended a Zoom call with almost 600 people interested in nakedness, playfulness, and sex-positivity.

The second one happened when I was living in Munich, after I attended to some clubs that hosted so-called "sex-positive" parties.

Both the stories are in Brazilian Portuguese, but you can easily translate them using Chrome or Firefox built-in functionalities.


Depoimento: websuruba na pandemia diverte quem mostra e quem vê

  • 27.jun.2020

Nunca imaginei que, em pleno isolamento social, fosse estar presente em uma orgia com quase 600 pessoas. Não é como se fosse minha primeira festa de sexo, com drinks, risadas e gente transando, mas foi a primeira experiência em uma websuruba — reunião de pessoas com o intuito de ver e serem vistas em situações pouco ortodoxas, tudo em nome do prazer geral.

A festa “Sdds Sentar”, organizada pelo perfil @sentomesmo no Instagram, teve quase 2 mil inscritos para a sala virtual. O evento, no dia 30 de maio, reuniu gente de todo o tipo mostrando tudo para quem quisesse ver. Teve peitos, pintos, dildos, bundas e vulvas.

Para participar foi necessário um breve cadastro, com uma clara mensagem: não era possível prevenir que a tela fosse gravada ou fotografada, e que o participante estaria ciente disso. Entendida essa questão, era só entrar no aplicativo, ligar o som e curtir o visual.

O que você mostraria na câmera ficava a seu critério, como os vários pênis eretos de corpos sem rosto, vulvas tocadas por ágeis dedos e o movimento de (sortudos) casais transando. Uma pessoa responsável operava o software de troca de câmeras, mostrando quem queria ser visto em tela cheia, deleite para observados e observadores.

O pico, segundo o organizador, foi de 600 pessoas online. No início, enquanto a música rolava — um pop seguido de eletrônico, que para mim foi mais som de fundo para rolar o clima que motivo de foco — as pessoas ainda estavam tímidas, interagindo via chat de texto com quem surgia na câmera. Não demorou para os primeiros corpos nus aparecerem e, daí para a frente, foi só alegria.

De todos os fetiches, o voyeur era o rei da festa. Como o visual importava, até a própria nudez foi deixada de lado. Teve gente de roupa elaborada, como um casal vestido de prints animais, e aqueles sem roupa nenhuma; gente com máscara sofisticada e também a já comum máscara-anti-corona para esconder o rosto. Eu não tive escolha — muita tatuagem para esconder e pouco creme base — e mostrei a cara junto com um grupo de destemidos.

Ainda que algumas pessoas estivessem produzidas para o evento com cenas de sexo ao vivo, a festa pouco parecia um filme pornô tradicional. Como os participantes acabavam interagindo via chat, e todo ato era consentido, a sensação geral era de diversão, felicidade e coletividade — sentimento necessário em momento de isolamento. Estar bem e se sentir sexy era o principal. O gozo, secundário.

Comecei a noite achando que manteria a cueca vestida e que esse seria um experimento quase antropológico. Tolinho.

Após uma hora e pouco de festa — que passou mais rápido que imaginei — já estava participando do que eu presumo ser a maior masturbação coletiva da história da internet brasileira.

A operadora da câmera exibiu o homem que dançava no barra de Pole Dance exibindo um plug anal que emula um rabo, depois a mulher que pulava, animada, em um vibrador — protegida da identificação com uma balaclava sobre o rosto (meu novo fetiche) — e transferiu a imagem para a mulher que derrubava cera quente de vela nos peitos enquanto recebia uma enxurrada de elogios do chat em texto. Homens e mulheres se divertiam vendo quem se divertia mostrando.

Para mim, a websuruba foi um sucesso, mesmo diferente dos eventos que já estou acostumado. Com menos variáveis que uma orgia presencial, quero que esse tipo de evento se torne mais comum enquanto nos escondemos em nossas casas aguardando o vírus minguar.

Talvez, a versão virtual até convença pessoas menos interessadas em surubas que sexo em grupo é legal — e nada vergonhoso, como nos ensinam por aí.


Como são as festas de sexo alemãs, regadas a couro, látex e polícia de voyeurs

  • 6.mai.2023

Logo que cheguei a Munique, na Alemanha, escutei que deveria mudar para Berlim. Minha aparência de frequentador de bares alternativos da rua Augusta, em São Paulo, com tatuagens e piercings, contrasta com as roupas de marca e o ar superior dos moradores da cidade mais cara do país.

Em Munique, o aluguel custa em média €18 o metro quadrado, contra os €14 do segundo colocado, Frankfurt. "É como uma Faria Lima alemã, com gente bem vestida, conservadora e visual bastante padrão", diz a brasileira Juliana, de 28 anos, que vive em Munique desde o ano retrasado.

Ao mesmo tempo em que a cidade é a mãe da Oktoberfest, evento em que milhares de pessoas vestem roupas tradicionais e se afogam em litros de cerveja, a capital do estado da Baviera é conhecida por locais e estrangeiros um tanto quanto retrógrados.

Foi aqui, por exemplo, que Hitler deu seu primeiro discurso e o Partido Nazista se consolidou. Pelo menos esta é a ideia que Munique passa de dia: uma cidade tradicional, conservadora e familiar recheada de "expats", gíria em inglês para expatriados.

Em busca de pessoas com mentalidade parecida com a minha, acabei em encontros periódicos de pessoas "kinky" e "expats" —gente normal, tomando cerveja normal, em um bar normal, conversando sobre o melhor método de enforcar a pessoa parceira durante o sexo ou os melhores materiais para uma surra bem dada no traseiro dos que gostam de dor, em dois ou três idiomas diferentes.

Reunido com expatriados de diversas origens, unidos sob a bandeira das experiências sexuais que não são convencionais, comecei uma interessante jornada de aprendizado, descobrindo como Munique é diferente quando o sol se põe —em torno das 21h no verão ou das 16h no inverno.

Descobri, por exemplo, que sexo em Alemão pode ser o anglicismo "sex" ou o horripilante "geschlechtsverkehr". Descobri —na prática— que nas saunas públicas ninguém usa roupas. É normal frequentá-las sozinho, com amigos, família ou até colegas profissionais, suar por horas a fio enquanto munido apenas de uma toalhinha.

Aprendi que "fetish parties" são festas para os curiosos, quem não está no mundo do fetiche e do BDSM —sigla em inglês para bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo.

Nelas, o importante é se montar e exibir a melhor roupa temática possível —de látex e besuntada em óleo, em couro adornado por correntes ou até com roupa inexistente, experimentando a nudez pública fora da tradicional sauna. As pessoas dançam, bebem, e se divertem, admirando os outfits alheios e anotando inspirações para as próximas festas.

Para quem já foi iniciado no mundo fetichista, as "play parties" são eventos direcionados à prática do BDSM por pessoas que sabem o que estão fazendo. Em locais especificamente equipados, elas podem praticar todo tipo de atividade —há o quarto hospitalar, com mesa de operação e cadeira ginecológica, a masmorra medieval, com diversos instrumentos de tortura, a sala a prova d’água, para aqueles que querem tentar brincar com fluídos inenarráveis.

Laurent , de 45 anos, é francês e mora há 22 anos em Munique. Praticante de BDSM e afiado no alemão, não vivencia a barreira de linguagem tão comum em estrangeiros, mas diz que a cultura também é um obstáculo difícil de transpor.

"Ao tentar entrar em algumas comunidades de BDSM, me disseram para preencher formulários, ler uma série de regras, descrever cada fetiche que tinha e até meu nível de tolerância de dor, de um a dez. Os alemães são extremamente processuais", diz.

Laurent prefere interagir com expatriados ou alemães que têm afinidade com a comunidade internacional. "Conheço as dificuldades de ser um estrangeiro, e eles sempre estão interessados em novos modos de pensar, independente do BDSM, de serem da Alemanha ou da França."

Para quem só quer experimentar a própria sexualidade sem se meter muito com vestimentas caríssimas e a seriedade do BDSM, existem as "sex positive parties". Para o espectador comum, elas parecem festas normais de música eletrônica —há a pista de dança, cerveja e drinks e filas gigantes para o banheiro.

Mas nelas o visitante pode descobrir os locais específicos onde é permitido fazer sexo abertamente, sem timidez ou pudor. Camisinhas, luvas e lubrificantes são distribuídos pelo espaço, onde normalmente há uma equipe especializada em consentimento e bem-estar.

Em uma dessas festas, eu observava um trio de belíssimos exemplares da espécie humana em atos para lá de libidinosos quando sinto um cutucão no braço e, em inglês, um fiscal me pergunta se eu havia perguntado se podia observá-los. Disse que não, interrompi o sexo alheio, e fiz a pergunta. Todos responderam com um "sim" sorridente e depois disso o fiscal foi buscar o próximo alvo da polícia do consentimento.

Mas não é só de fetiche que vive o alemão —ou o indiano, o paquistanês, o ucraniano, o colombiano, o brasileiro, o croata, o russo, o italiano, o turco ou o venezuelano. Durante um ano no país, conheci pessoas fetichistas dessas e de outras nacionalidades, mas também aqueles que preferem encontros românticos e aventuras sexuais a dois.

Juliana diz que suas melhores experiências sexuais foram com estrangeiros, e não com brasileiros. "Talvez os europeus tenham aulas de anatomia na escola. Eles parecem saber muito o que estão fazendo", diz, em tom de brincadeira.

Ao mesmo tempo que os europeus têm técnica, ela diz que "a química e a atitude é dos latinos, que tem uma energia incomparável". Há a parte ruim de se relacionar com quem está acostumado com um Brasil estereotipado. "Em um aplicativo, a primeira pergunta de um alemão era se eu usava fio dental", conta.

Katharina, de 32 anos, é alemã e diz não ter preferências em se relacionar com estrangeiros ou compatriotas. "Como gosto de falar inglês, acabei sempre tendo contato e me relacionando com 'expats'. Se as pessoas são amigáveis, não me importo com a origem delas."

Já Alex, ucraniana de 29 anos que mora na Alemanha desde os nove, diz gostar de pessoas com um tipo específico de experiência internacional. "Prefiro me relacionar com quem entende as dificuldades de ser um estrangeiro, os pequenos racismos do dia a dia, os problemas com visto e as burocracias adicionais para viver no país. Não consigo me conectar com pessoas que não entendam esses pontos."

Seja na busca por um relacionamento tradicional, seja ao procurar algo diferente, o estrangeiro tem mais chances de sucesso entre seus pares —ou pelo menos com aqueles que topem fugir do idioma nativo. Mesmo Munique não sendo o caldeirão cultural que é Berlim, há muitas pessoas de várias nacionalidades para se conhecer bem e, se tudo der certo, quem sabe não conhecê-las melhor ainda?

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